Trezena de Santo Antônio é reza tradicional em Salvador desde a colônia 3f4f45
Orações para um dos mais populares dos santos mobilizam os católicos nas igrejas, em eventos domésticos familiares e entre amigos 293b34

“Aqui na Bahia, a devoção ao santo português é da maior e melhor forma, tanto religiosa, como popular. As chamadas trezenas familiares têm início, via de regra, no dia 1 de junho, para findarem com festejos dos mais diversos, como danças acompanhadas de licor de jenipapo, canjica, balões multicolores, bolos e fogos. Há quem inicie suas trezenas no dia 14 para que o término coincida com as festas de São João. Já outros preferem rezar o seu Santo Antõnio de modo a que termine no 2 de julho, o feriado máximo da Bahia, celebrando assim uma trezena em honra à data da nossa Independência”.
Há 55 anos, na edição de 13 de junho de 1970, A TARDE publicou um suplemento especial sobre a devoção a Santo Antônio e a reza anual da trezena. Essa tradição por aqui é bem mais antiga, remonta à fundação de Salvador, cidade que apesar de fazer referência a Jesus Cristo no nome, tem uma população historicamente dedicada a Santo Antônio.
Na cidade, cada indivíduo ou grupo de devotos reza “a sua trezena”, em uma relação particular e íntima com o padroeiro. A tradição iniciada na Itália chegou ao Brasil com os colonizadores portugueses, no século XVI, mas com o ar dos anos o santo foi abraçado por todas as classes.
A Arquidiocese de Salvador lista três paróquias, 38 comunidades e, agora, um santuário, todos dedicados ao frade franciscano nascido em Lisboa no final do século XII. O santuário fica no Centro Histórico. É a igreja matriz, velha conhecida dos baianos, que foi elevada a Santuário de Santo Antônio Além do Carmo, em 31 de maio último. Desde 01 de junho, teve início a trezena no templo. Em 2025, o tema é “A esperança cristã”. No dia 13, último dia de orações, acontecerá a festa litúrgica. Em outras igrejas, mesmo as que não são dedicadas ao santo, as trezenas são regra.
Santo Antônio é tão parceiro dos baianos que o nome dele e suas variações, inclusive gringas, figura fácil na preferência de muitas famílias, mesmo em tempos de Enzos e Valentinas. Um levantamento do A TARDE Memória no Portal da Transparência do Registro Civil mostra que de 2020 a 2024, nada menos do que 5.605 pessoas foram regist radas com o nome de ‘Anthony’ (a versão anglófona de Antônio) na Bahia. Desse contingente, 925 são de Salvador.

O censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que de 1930 até 2010, 2.576.348 pessoas foram registradas como Antônio no Brasil. Desse total, 8.854 receberam a versão feminina do nome, Antônia. Na Bahia, no mesmo período, 202.813 pessoas foram registradas como Antônio e 575, como Antônia. Enquanto em Salvador, 37.085 pessoas receberam o nome de Antônio e 108, Antônia. O IBGE não divulga mais esses dados com recortes por nome, daí não ser possível atualizar as informações com o Censo mais recente, o de 2022.
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A devoção a Santo Antônio e a reza anual da trezena aparecem nas edições de A TARDE desde 1914, dois anos após a fundação do jornal. Nas reportagens e crônicas da primeira metade do século XX, os textos descrevem os preparativos populares e a devoção doméstica ao padroeiro, com as famílias reunidas na montagem dos altares e na confecção das iguarias consumidas depois da obrigação da reza que, em muitos lares, era cantada, com direito a acompanhamento ao piano entre os mais abastados.
As moças ricas da época, que rezavam a trezena em busca de marido, investiam nos dotes musicais não só pela fé, mas para impressionar algum convidado solteiro chamado pela família para a festa da trezena. A fama de casamenteiro de Santo Antônio e a ludicidade da devoção ao padroeiro foram abordados pelo A TARDE Memória na edição de 8 de junho de 2024.
Em 1936, o jornal citou, na edição do dia 12 de junho, que “neste anno, também Santo Antonio vae ser festejado nos clubes elegantes da cidade”. Enquanto na edição do dia seguinte, 13, a data festiva oficial, o jornal reforçou o status do franciscano como um dos preferidos dos baianos, junto com os outros dois colegas de santidade celebrados em junho. “Talvez seja esse o mez mais querido dos bahianos. Mez de barulho, de cantigas, de alegrias. A Igreja, na sua alta sabedoria, reuniu neste mez os mais populares e queridos dos seus santos: — S. Antonio, S. João e S. Pedro. Durante treze dias, o primeiro domina toda a cidade. Fica no alto dos altares armados em todas as casas”, diz trecho do texto.
Já nos anos 1950, 20 anos depois dessa cobertura dos festejos nna década de 1930, A TARDE publicou uma crônica de Hildegardes Vianna especialmente escrita para o jornal. A pesquisadora da cultura popular, folclorista e membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGH-BA), no texto “Conversando com Santo Antônio", de 14 de junho de 1956, descrevia os preparativos para a trezena.

“Com a aproximação da tua trezena começava a faina dos preparativos. Enrolar arame, cortar papel fino, encrespar pétalas e sépalos, armar flores. Os ramos vistosos e as indefectíveis guirlandas de ‘inhas’, que iam surgindo rubras ou róseas, formavam a base da tua ornamentação. Enquanto mãos hábeis recortavam folhetos ou bordavam mimosas toalhinhas”.
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A funcionária pública Tita Bahiense reza o Santo Antônio desde criança por tradição familiar e, oficialmente, como um compromisso devocional há 25 anos. Ela faz parte do Clube das Treze, um grupo que reúne amigas anualmente para a trezena, de 01 a 13 de junho, cada noite na casa de uma delas. Mais do que fé, as integrantes compartilham laços de solidariedade e e emocional, apoiando-se ao longo dos anos a cada desafio vivido, sempre confiantes de que Santo Antônio intercede por elas.

O último dia da trezena é sempre na casa dela, na Vila Laura. Isso porque a devota atribui à intercessão de Santo Antônio o milagre dela ter engravidado depois de 10 anos de casada e muitas tentativas. “Eu tive uma filha, fruto de oração, de intercessão de Santo Antônio, no dia de Santo Antônio. Eu tinha 10 anos de casada, meu marido já tinha, inclusive, procurado médico para saber porque a gente não conseguia engravidar, já que eu não tomava nada para evitar. E aí, eu embaixo do chuveiro, em oração, pedi a Santo Antônio que se fosse para a minha felicidade e do meu marido, que eu ficasse grávida. Dois meses depois eu estava grávida e minha filha nasceu no dia de Santo Antônio”, conta.
Mais recentemente, ela acredita que a cura de um câncer no marido também teve a intercessão do santo e aponta coincidências que só reforçam a sua fé. “Meu marido viveu um câncer há meses atrás e os sinais de Santo Antônio, da intercessão dele, eram muito vivos: Na primeira consulta, o consultório que ele foi atendido foi o de número 13, o número ligado a Santo Antônio. Para a Igreja Católica, o dia da semana em que a gente celebra Santo Antônio é a terça-feira e a consulta com o oncologista foi marcada numa terça-feira. Quando ele foi realizar a biópsia, o número do quarto dele foi 1331. Então, tive no meu coração a certeza de que a cura iria acontecer”, diz.
Para completar as coincidências, a radioterapia do marido, que terminaria em uma segunda-feira, foi adiada para terminar na terça-feira posterior, porque a máquina usada no procedimento estava quebrada no dia marcado. “Eu tenho certeza que todas as minhas dificuldades, quando eu clamo, sei que ele intercede a Deus por mim e eu sei que o milagre sempre acontece, basta a gente crer, confiar e acreditar que Deus é Senhor de todas as coisas e Pão de todas as coisas”, afirma.
*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes
*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época
*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE